Um dos mais influentes desembargadores do Tribunal de Justiça da Bahia, Carlos Alberto Dutra Cintra diz que a privatização dos cartórios na Bahia não vai sair do papel da forma como está sendo proposta. Nesta entrevista à Tribuna, ele defende a criação de um novo regime de custas que viabilize os cartórios deficitários (a maioria no estado).
Dutra Cintra diz ainda que há excessos no Conselho Nacional de Justiça e que houve “um pouco de exagero” da ministra Eliana Calmon, que causou polêmica nos últimos dias ao afirmar que existem “bandidos de toga” no Judiciário brasileiro. O desembargador, que deverá ser alçado à condição de presidente do TRE no final do ano, falou ainda sobre a disputa de poder no TJ baiano e sobre a sucessão na corte.
Tribuna – O senhor comunga com a tese de diminuição do poder de investigação que alguns setores têm pregado sobre o Conselho Nacional de Justiça?
Dutra Cintra – Eu comungo da ideia de que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), supletivamente, deve fazer apuração, mas se houver, digamos, alguma irregularidade, algum abuso de um magistrado, primeiro quem tem que apurar é o próprio tribunal (de Justiça), os órgãos competentes. Agora, se os órgãos competentes do tribunal não apurarem, aí, sim, na minha visão, cabe ao CNJ definir e instaurar processo administrativo, sindicância, enfim, para apurar alguma irregularidade. Mas primeiro deve passar pelo crivo do tribunal
Tribuna – Está existindo excessos hoje em dia?
Cintra – Eu acho que há. Há excesso do CNJ principalmente naquilo que diz respeito às liminares. O Supremo Tribunal Federal (STF) já decidiu, através do ministro Menezes, que a liminar é matéria jurisdicional. Em processos administrativos, em pedidos de providência, não cabe a decisão liminar. E, às vezes, se concede uma liminar sem ouvir o presidente de um tribunal. Eu acho que todos nós juízes deveríamos primeiro ter ciência daquilo que está acontecendo e devemos responder primeiro para que se possa analisar, o CNJ analisar e tomar as devidas providências. Eu acho que o CNJ tem tido uma participação importante, fundamental, principalmente naquilo que diz respeito à visibilidade do Judiciário, mas tem muita coisa, tem muitos exageros que precisam ser cortados.
Tribuna – Como o senhor viu as declarações da ministra Eliana Calmon sobre os “bandidos de toga” no Judiciário?
Cintra – Eu acho que houve um pouco de exagero da ministra. A ministra é uma pessoa altamente competente, preparada e rigorosa naquilo que diz respeito aos procedimentos dos magistrados. É certo, inclusive, que tem que se agir com rigor. Acredito que a grande maioria dos magistrados é séria, administrativamente falando, e de uma ética muito visível, todos eles agem assim, agora, pode ter falhas humanas. Isso pode se detectar, mas não se pode generalizar. Eu acho que a ministra talvez no calor, na ênfase, porque ela procura apurar os fatos e procura direcionar a magistratura pelo caminho certo, às vezes exagera e eu acho que foi, talvez, um exagero.
Tribuna – O que pode ser feito para tentar diminuir a morosidade do Judiciário?
Cintra – Olha, nós temos hoje um caminho aí, que seria um novo Código de Processo (Civil) que está em tramitação (no Congresso Nacional). Esse novo código, evidentemente, vai melhorar principalmente aquilo que diz respeito aos recursos. O que causa morosidade é o grande número de recursos que nós temos no processo civil. Eu acho que isso aí é um caminho. Por outro lado, o número de juízes ainda é insuficiente, tanto quanto é insuficiente o número de serventuários que trabalham nesse setor. Então, para você ter uma ideia, nós temos varas aqui na capital, temos juízes com diversas decisões já proferidas que não são publicadas porque não tem uma assessoria que possa dar vazão ao trabalho que o juiz desenvolve. Enfim, tem os advogados também que, às vezes, entram com recursos inadmissíveis, recursos protelatórios. Isso também faz com que a Justiça emperre. Agora, essas causas juntas têm que ser combatidas de uma maneira muito efetiva. Eu acho que esse é que é o grande trabalho do Judiciário e do Conselho Nacional de Justiça.
Tribuna – Por que a Justiça baiana leva 10, 15, 20 anos para julgar processos?
Cintra – Não é a Justiça baiana que demora, não, é a Justiça nacional. Se você for olhar em São Paulo... Vamos colocar em segundo grau aqui na Bahia. O segundo grau está rigorosamente em dia, nós estamos em dia. Eu estou julgando aqui processos deste ano. A maioria dos magistrados, dos desembargadores, está julgando processos deste ano. Só para você ter uma ideia, em São Paulo, para distribuir um processo demora três, quatro anos. Então, veja que a morosidade lá no segundo grau é muito maior do que a nossa. Nós estamos ombreados com os tribunais do país que julgam com muita rapidez. Nosso maior problema, o nó, é no primeiro grau.
Tribuna – O investimento maior em alternativas conciliatórias seria uma saída eficaz para dar vazão a esse excesso?
Cintra – Eu acho que sim. Quando eu era presidente (do Tribunal de Justiça da Bahia), eu dizia que o juiz moderno tem que ser um indutor do processo de conciliação. A resolução dos conflitos tem que ser feita pelas próprias partes. O juiz moderno hoje tem que trabalhar para que haja o processo de conciliação. O Tribunal de Justiça da Bahia tem caminhado para essa linha, através da ampliação dos juizados, do balcão da Justiça e da Cidadania. Na área de família, nós temos um setor importante, que é a conciliação prévia, para evitar conflitos entre membros da família. Enfim, nós estamos trabalhando nisso. O CNJ está desenvolvendo também o trabalho no sentido de incentivar a conciliação, criou a Semana Nacional (da Conciliação), que vem agora em novembro. Aqui, o TJ-BA também já instituiu a Semana de Conciliação. O trabalho tem sido nesse sentido, assim nós vamos melhorando a prestação do serviço jurisdicional.
Tribuna – O senhor falou da reforma do Código de Processo Civil. Concorda, então, com a movimentação de setores do STF pela redução da tramitação dos processos?
Cintra – Veja bem. O STF tem reduzido. A legislação mais recente reduz o encaminhamento de processos para o STF, através de recursos repetitivos, da súmula vinculante, enfim. Nós temos um trabalho lá, mas é preciso que se estenda isso também para a Justiça nos estados. O fulcro da questão está ainda na base, está no primeiro grau. Esse é o que mais precisa ser agilizado nesse processo.
Tribuna – E o que está sendo feito para minimizar essa situação?
Cintra – Eu acho que prático, agora, nós temos no sentido de evitar os recursos, a apelação dos processos através dos recursos. E essa é que é a ideia da comissão de reforma (do CPC). Tentar evitar ao máximo que se utilize os recursos que temos no código. Nós temos apelação, embargo de declaração, agravo de instrumento, agravo retido, agravo regimental, enfim. É uma série de recursos que vai fazendo com que os processos sejam infindáveis.
Tribuna – A que a gente pode creditar a dificuldade de privatizar os cartórios baianos? Quando isso acontecerá, na prática, para que a população tenha um serviço de melhor qualidade?
Cintra – Eu acho que essa privatização não vai ocorrer, nos termos em que está sendo posta. Não vai sair do papel do jeito que está. Entendo que nós deveríamos ter um novo regime de custas que possibilitasse que, oferecidos esses cartórios, houvesse quem quisesse participar do concurso. As custas aqui na Bahia são muito baratas em relação aos outros estados. Então, o que é que ocorre? Você privatiza... Da forma que tem aqui, temos apenas menos de duzentos cartórios rentáveis de mais de mil quatrocentos e tantos cartórios extrajudiciais. E esses outros, como ficarão? Quem vai fazer concurso para as cidades menores do interior da Bahia? Esses cartórios vão ficar oficializados porque não se pode deixar de atender a população com os serviços essenciais. Temos aqui a renda de cartórios extrajudiciais e tem cartórios que não rendem nem cinco mil reais por ano. A grande maioria não rende vinte mil por ano. Como é que você vai fazer um concurso? Você vai ter um oficial, ele vai ser responsável pelos funcionários, por casa, por tudo. E como é que ele vai pagar? Qual é a renda que ele vai ter? Então, eu acho que não vai haver privatização nenhuma. É uma balela. Eu sei, conheço o esforço da Assembleia Legislativa da Bahia, mas não pode melhorar (o Judiciário) se nós não tivermos um novo regime de custas.
Tribuna – E o que deve ser feito para melhorar esse regime de custas?
Cintra – Tem que ter um projeto de iniciativa do governo do estado e a Assembleia tem que aprovar, só que isso não vai ocorrer tão cedo porque vai aumentar em sete ou oito vezes o valor do orçamento atual. Aí a população vai gritar. Para você ter uma ideia, tem pessoas que saem de Petrolina - PE para reconhecer firma em Juazeiro - BA. Por quê? Porque para reconhecer firma em Juazeiro custa cinquenta centavos, em Petrolina custa três reais.
Tribuna – E por que não fazer esse tipo de adequação?
Cintra – Vai ter que fazer. Se não fizer, não vai haver quem concorra ao concurso. A própria lei dá uma opção, mas somente 180 cartórios vão ser oferecidos porque são os cartórios rentáveis, os outros não são. E outra coisa, essa opção também está sendo questionada porque o STF já definiu que uma coisa é concurso para serventuários, outra coisa é concurso para delegação. Isso vai ser questionado pelo TJ-BA, eu acredito, pela conversa que eu tive aí, vai ser questionada no STF a constitucionalidade desse dispositivo.
Tribuna – O senhor atualmente é vice-presidente do Tribunal Regional Eleitoral (TRE-BA). Está tudo pronto para assumir a presidência da corte?
Cintra – Não (risos). Eu não posso dizer que vou assumir. Eu posso dizer a você que eu posso ser um dos postulantes, até porque, se o desembargador Mário for presidente do Tribunal de Justiça, ele vai concorrer, ninguém sabe se será ele ou outro, mas se ele concorrer e sair vitorioso, nós temos que esperar que seja indicado um desembargador para lá. Depois de composto o tribunal é que vai haver uma eleição. Então, vão concorrer os dois desembargadores. Eu já estou lá e o outro que vai chegar também terá legitimidade para disputar a presidência. A disputa será entre os dois desembargadores. Eu não sei também se vou concorrer ou não.
Tribuna – E essa disputa de forças aqui no TJ-BA? Quem é realmente o favorito?
Cintra – Não há vantagem, não há disputa. Em todo colegiado há sempre os grupos que se aproximam mais por causa das ideias, pelos princípios, enfim. Não há colegiado que siga nenhuma orientação única. Tem uma pessoa que pensa de uma maneira, tem outra pessoa que pensa de outra maneira, uns colegas acompanham de um lado, outros acompanham de outro. O que eu sei é que agora nós temos cinco desembargadores elegíveis, são aqueles cinco mais antigos que não exerceram a presidência ou não participaram duas vezes da mesa. Então, esses cinco devem se candidatar.
Tribuna – Quem são os cinco?
Cintra – Por antiguidade, me parece que a desembargadora Lícia Laranjeira, o desembargador Mário Hirs, desembargador Eserval Rocha, desembargadora Vera Lucia e desembargador Sinésio Cabral.
Tribuna – Como vê as divergências, os ânimos mais acalorados nos últimos dias entre as desembargadoras Telma Brito e Sílvia Zarif?
Cintra – É uma situação difícil. Estão havendo realmente alguns embates, mas são duas pessoas competentes, sérias, duas pessoas probas e tem cada uma querendo administrar ao seu modo. Temos a administração da desembargadora Sílvia, tem agora a administração da desembargadora Telma. Uma contribui de uma maneira, a outra contribui de outra maneira. São duas pessoas que pensam diferente e uma tem seus seguidores e a outra tem outros seguidores. Eu acho que isso aí faz com que nós tenhamos um colegiado de certa forma dividido, mas aquilo que é objetivo comum, que é a prestação judicial. Todos nós estamos no mesmo bloco.
Tribuna – Como o senhor avalia a gestão atual? A presidente Telma Brito conseguiu avanços?
Cintra – Ela tem avanços significativos, agora, não pode, evidentemente, nem ela nem ninguém, num período de dois anos, ajustar da forma que se deseja. Ela tem avanços na área dos magistrados, muitas conquistas, na matéria da informática. Tem um novo sistema, um novo programa, mais confiável. Em matéria das contas, as contas nossas estão dentro do limite da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Houve avanço na área da conciliação. Enfim, houve um trabalho muito grande. Na área do funcionalismo houve uns ajustes que eram necessários ser feitos, embora esses ajustes tenham sido questionados na Justiça. Eu aprecio de forma positiva a atual administração.
Tribuna – A falta de desembargadores é um problema que preocupa a Bahia?
Cintra – Nós temos já criados 50 cargos de desembargadores não instalados por força do nosso orçamento e do limite da LRF, dos ajustes que nós temos que ter. Parece-me que no segundo grau não é tão crítico quanto no primeiro. O que nós precisamos mais é de juízes de primeiro grau. Isso é que é fundamental para nós. Agora, nós também temos vagas que a lei de organização criou, mas só que nós não podemos prover todas essas vagas porque nós temos limites orçamentários e esses limites são intransponíveis.
Tribuna – E a questão da indústria das ações de indenização por danos morais? Como o senhor avalia?
Cintra – Isso tem no Brasil inteiro, é a própria Constituição que estabelece. Se houver danos morais, esses danos têm que ser pagos, têm que ser corrigidos. Não há abuso. Eu não vejo abuso. Aqui no tribunal, nós temos fixados determinados parâmetros. Você não pode aplicar uma multa que desestimule a atuação da Justiça e você também não pode exagerar. Há de imaginar que houve um lucro devido, mas eu não vejo indústria. O dano moral existe, por isso nós temos que trabalhar em cima dele.
Dutra Cintra diz ainda que há excessos no Conselho Nacional de Justiça e que houve “um pouco de exagero” da ministra Eliana Calmon, que causou polêmica nos últimos dias ao afirmar que existem “bandidos de toga” no Judiciário brasileiro. O desembargador, que deverá ser alçado à condição de presidente do TRE no final do ano, falou ainda sobre a disputa de poder no TJ baiano e sobre a sucessão na corte.
Tribuna – O senhor comunga com a tese de diminuição do poder de investigação que alguns setores têm pregado sobre o Conselho Nacional de Justiça?
Dutra Cintra – Eu comungo da ideia de que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), supletivamente, deve fazer apuração, mas se houver, digamos, alguma irregularidade, algum abuso de um magistrado, primeiro quem tem que apurar é o próprio tribunal (de Justiça), os órgãos competentes. Agora, se os órgãos competentes do tribunal não apurarem, aí, sim, na minha visão, cabe ao CNJ definir e instaurar processo administrativo, sindicância, enfim, para apurar alguma irregularidade. Mas primeiro deve passar pelo crivo do tribunal
Tribuna – Está existindo excessos hoje em dia?
Cintra – Eu acho que há. Há excesso do CNJ principalmente naquilo que diz respeito às liminares. O Supremo Tribunal Federal (STF) já decidiu, através do ministro Menezes, que a liminar é matéria jurisdicional. Em processos administrativos, em pedidos de providência, não cabe a decisão liminar. E, às vezes, se concede uma liminar sem ouvir o presidente de um tribunal. Eu acho que todos nós juízes deveríamos primeiro ter ciência daquilo que está acontecendo e devemos responder primeiro para que se possa analisar, o CNJ analisar e tomar as devidas providências. Eu acho que o CNJ tem tido uma participação importante, fundamental, principalmente naquilo que diz respeito à visibilidade do Judiciário, mas tem muita coisa, tem muitos exageros que precisam ser cortados.
Tribuna – Como o senhor viu as declarações da ministra Eliana Calmon sobre os “bandidos de toga” no Judiciário?
Cintra – Eu acho que houve um pouco de exagero da ministra. A ministra é uma pessoa altamente competente, preparada e rigorosa naquilo que diz respeito aos procedimentos dos magistrados. É certo, inclusive, que tem que se agir com rigor. Acredito que a grande maioria dos magistrados é séria, administrativamente falando, e de uma ética muito visível, todos eles agem assim, agora, pode ter falhas humanas. Isso pode se detectar, mas não se pode generalizar. Eu acho que a ministra talvez no calor, na ênfase, porque ela procura apurar os fatos e procura direcionar a magistratura pelo caminho certo, às vezes exagera e eu acho que foi, talvez, um exagero.
Tribuna – O que pode ser feito para tentar diminuir a morosidade do Judiciário?
Cintra – Olha, nós temos hoje um caminho aí, que seria um novo Código de Processo (Civil) que está em tramitação (no Congresso Nacional). Esse novo código, evidentemente, vai melhorar principalmente aquilo que diz respeito aos recursos. O que causa morosidade é o grande número de recursos que nós temos no processo civil. Eu acho que isso aí é um caminho. Por outro lado, o número de juízes ainda é insuficiente, tanto quanto é insuficiente o número de serventuários que trabalham nesse setor. Então, para você ter uma ideia, nós temos varas aqui na capital, temos juízes com diversas decisões já proferidas que não são publicadas porque não tem uma assessoria que possa dar vazão ao trabalho que o juiz desenvolve. Enfim, tem os advogados também que, às vezes, entram com recursos inadmissíveis, recursos protelatórios. Isso também faz com que a Justiça emperre. Agora, essas causas juntas têm que ser combatidas de uma maneira muito efetiva. Eu acho que esse é que é o grande trabalho do Judiciário e do Conselho Nacional de Justiça.
Tribuna – Por que a Justiça baiana leva 10, 15, 20 anos para julgar processos?
Cintra – Não é a Justiça baiana que demora, não, é a Justiça nacional. Se você for olhar em São Paulo... Vamos colocar em segundo grau aqui na Bahia. O segundo grau está rigorosamente em dia, nós estamos em dia. Eu estou julgando aqui processos deste ano. A maioria dos magistrados, dos desembargadores, está julgando processos deste ano. Só para você ter uma ideia, em São Paulo, para distribuir um processo demora três, quatro anos. Então, veja que a morosidade lá no segundo grau é muito maior do que a nossa. Nós estamos ombreados com os tribunais do país que julgam com muita rapidez. Nosso maior problema, o nó, é no primeiro grau.
Tribuna – O investimento maior em alternativas conciliatórias seria uma saída eficaz para dar vazão a esse excesso?
Cintra – Eu acho que sim. Quando eu era presidente (do Tribunal de Justiça da Bahia), eu dizia que o juiz moderno tem que ser um indutor do processo de conciliação. A resolução dos conflitos tem que ser feita pelas próprias partes. O juiz moderno hoje tem que trabalhar para que haja o processo de conciliação. O Tribunal de Justiça da Bahia tem caminhado para essa linha, através da ampliação dos juizados, do balcão da Justiça e da Cidadania. Na área de família, nós temos um setor importante, que é a conciliação prévia, para evitar conflitos entre membros da família. Enfim, nós estamos trabalhando nisso. O CNJ está desenvolvendo também o trabalho no sentido de incentivar a conciliação, criou a Semana Nacional (da Conciliação), que vem agora em novembro. Aqui, o TJ-BA também já instituiu a Semana de Conciliação. O trabalho tem sido nesse sentido, assim nós vamos melhorando a prestação do serviço jurisdicional.
Tribuna – O senhor falou da reforma do Código de Processo Civil. Concorda, então, com a movimentação de setores do STF pela redução da tramitação dos processos?
Cintra – Veja bem. O STF tem reduzido. A legislação mais recente reduz o encaminhamento de processos para o STF, através de recursos repetitivos, da súmula vinculante, enfim. Nós temos um trabalho lá, mas é preciso que se estenda isso também para a Justiça nos estados. O fulcro da questão está ainda na base, está no primeiro grau. Esse é o que mais precisa ser agilizado nesse processo.
Tribuna – E o que está sendo feito para minimizar essa situação?
Cintra – Eu acho que prático, agora, nós temos no sentido de evitar os recursos, a apelação dos processos através dos recursos. E essa é que é a ideia da comissão de reforma (do CPC). Tentar evitar ao máximo que se utilize os recursos que temos no código. Nós temos apelação, embargo de declaração, agravo de instrumento, agravo retido, agravo regimental, enfim. É uma série de recursos que vai fazendo com que os processos sejam infindáveis.
Tribuna – A que a gente pode creditar a dificuldade de privatizar os cartórios baianos? Quando isso acontecerá, na prática, para que a população tenha um serviço de melhor qualidade?
Cintra – Eu acho que essa privatização não vai ocorrer, nos termos em que está sendo posta. Não vai sair do papel do jeito que está. Entendo que nós deveríamos ter um novo regime de custas que possibilitasse que, oferecidos esses cartórios, houvesse quem quisesse participar do concurso. As custas aqui na Bahia são muito baratas em relação aos outros estados. Então, o que é que ocorre? Você privatiza... Da forma que tem aqui, temos apenas menos de duzentos cartórios rentáveis de mais de mil quatrocentos e tantos cartórios extrajudiciais. E esses outros, como ficarão? Quem vai fazer concurso para as cidades menores do interior da Bahia? Esses cartórios vão ficar oficializados porque não se pode deixar de atender a população com os serviços essenciais. Temos aqui a renda de cartórios extrajudiciais e tem cartórios que não rendem nem cinco mil reais por ano. A grande maioria não rende vinte mil por ano. Como é que você vai fazer um concurso? Você vai ter um oficial, ele vai ser responsável pelos funcionários, por casa, por tudo. E como é que ele vai pagar? Qual é a renda que ele vai ter? Então, eu acho que não vai haver privatização nenhuma. É uma balela. Eu sei, conheço o esforço da Assembleia Legislativa da Bahia, mas não pode melhorar (o Judiciário) se nós não tivermos um novo regime de custas.
Tribuna – E o que deve ser feito para melhorar esse regime de custas?
Cintra – Tem que ter um projeto de iniciativa do governo do estado e a Assembleia tem que aprovar, só que isso não vai ocorrer tão cedo porque vai aumentar em sete ou oito vezes o valor do orçamento atual. Aí a população vai gritar. Para você ter uma ideia, tem pessoas que saem de Petrolina - PE para reconhecer firma em Juazeiro - BA. Por quê? Porque para reconhecer firma em Juazeiro custa cinquenta centavos, em Petrolina custa três reais.
Tribuna – E por que não fazer esse tipo de adequação?
Cintra – Vai ter que fazer. Se não fizer, não vai haver quem concorra ao concurso. A própria lei dá uma opção, mas somente 180 cartórios vão ser oferecidos porque são os cartórios rentáveis, os outros não são. E outra coisa, essa opção também está sendo questionada porque o STF já definiu que uma coisa é concurso para serventuários, outra coisa é concurso para delegação. Isso vai ser questionado pelo TJ-BA, eu acredito, pela conversa que eu tive aí, vai ser questionada no STF a constitucionalidade desse dispositivo.
Tribuna – O senhor atualmente é vice-presidente do Tribunal Regional Eleitoral (TRE-BA). Está tudo pronto para assumir a presidência da corte?
Cintra – Não (risos). Eu não posso dizer que vou assumir. Eu posso dizer a você que eu posso ser um dos postulantes, até porque, se o desembargador Mário for presidente do Tribunal de Justiça, ele vai concorrer, ninguém sabe se será ele ou outro, mas se ele concorrer e sair vitorioso, nós temos que esperar que seja indicado um desembargador para lá. Depois de composto o tribunal é que vai haver uma eleição. Então, vão concorrer os dois desembargadores. Eu já estou lá e o outro que vai chegar também terá legitimidade para disputar a presidência. A disputa será entre os dois desembargadores. Eu não sei também se vou concorrer ou não.
Tribuna – E essa disputa de forças aqui no TJ-BA? Quem é realmente o favorito?
Cintra – Não há vantagem, não há disputa. Em todo colegiado há sempre os grupos que se aproximam mais por causa das ideias, pelos princípios, enfim. Não há colegiado que siga nenhuma orientação única. Tem uma pessoa que pensa de uma maneira, tem outra pessoa que pensa de outra maneira, uns colegas acompanham de um lado, outros acompanham de outro. O que eu sei é que agora nós temos cinco desembargadores elegíveis, são aqueles cinco mais antigos que não exerceram a presidência ou não participaram duas vezes da mesa. Então, esses cinco devem se candidatar.
Tribuna – Quem são os cinco?
Cintra – Por antiguidade, me parece que a desembargadora Lícia Laranjeira, o desembargador Mário Hirs, desembargador Eserval Rocha, desembargadora Vera Lucia e desembargador Sinésio Cabral.
Tribuna – Como vê as divergências, os ânimos mais acalorados nos últimos dias entre as desembargadoras Telma Brito e Sílvia Zarif?
Cintra – É uma situação difícil. Estão havendo realmente alguns embates, mas são duas pessoas competentes, sérias, duas pessoas probas e tem cada uma querendo administrar ao seu modo. Temos a administração da desembargadora Sílvia, tem agora a administração da desembargadora Telma. Uma contribui de uma maneira, a outra contribui de outra maneira. São duas pessoas que pensam diferente e uma tem seus seguidores e a outra tem outros seguidores. Eu acho que isso aí faz com que nós tenhamos um colegiado de certa forma dividido, mas aquilo que é objetivo comum, que é a prestação judicial. Todos nós estamos no mesmo bloco.
Tribuna – Como o senhor avalia a gestão atual? A presidente Telma Brito conseguiu avanços?
Cintra – Ela tem avanços significativos, agora, não pode, evidentemente, nem ela nem ninguém, num período de dois anos, ajustar da forma que se deseja. Ela tem avanços na área dos magistrados, muitas conquistas, na matéria da informática. Tem um novo sistema, um novo programa, mais confiável. Em matéria das contas, as contas nossas estão dentro do limite da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Houve avanço na área da conciliação. Enfim, houve um trabalho muito grande. Na área do funcionalismo houve uns ajustes que eram necessários ser feitos, embora esses ajustes tenham sido questionados na Justiça. Eu aprecio de forma positiva a atual administração.
Tribuna – A falta de desembargadores é um problema que preocupa a Bahia?
Cintra – Nós temos já criados 50 cargos de desembargadores não instalados por força do nosso orçamento e do limite da LRF, dos ajustes que nós temos que ter. Parece-me que no segundo grau não é tão crítico quanto no primeiro. O que nós precisamos mais é de juízes de primeiro grau. Isso é que é fundamental para nós. Agora, nós também temos vagas que a lei de organização criou, mas só que nós não podemos prover todas essas vagas porque nós temos limites orçamentários e esses limites são intransponíveis.
Tribuna – E a questão da indústria das ações de indenização por danos morais? Como o senhor avalia?
Cintra – Isso tem no Brasil inteiro, é a própria Constituição que estabelece. Se houver danos morais, esses danos têm que ser pagos, têm que ser corrigidos. Não há abuso. Eu não vejo abuso. Aqui no tribunal, nós temos fixados determinados parâmetros. Você não pode aplicar uma multa que desestimule a atuação da Justiça e você também não pode exagerar. Há de imaginar que houve um lucro devido, mas eu não vejo indústria. O dano moral existe, por isso nós temos que trabalhar em cima dele.
FONTE: Tribuna da Bahia
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